quinta-feira, 11 de junho de 2015

Batman o cavaleiro das trevas


Destruindo Clássicos: O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller – Parte 1: O fascismo do Cavaleiro das Trevas


Vocês devem se lembrar de Frank Miller como o cara que tirou o Demolidor do limbo, ou como o autor de Sin City, ou ainda como o criador de 300 de Esparta… 
Frank Miller é o exemplo clássico de um escritor que se tornou uma marca. Alcançou o sucesso com meia dúzia de trabalhos com alguma qualidade e, depois disso, qualquer coisa com os dizeres “escrito por Frank Miller”tornou-se sinônimo de altas vendas.
Pensemos em trabalhos considerados “revolucionários” como Ronin, vendido como “o primeiro mangá americano” (e, espero, tenha sido o último) ou mesmo aquele pastiche de american ninja conhecido como Elektra Assassina e você já tem uma noção do nível das ideias de Miller. Porém, criticar Miller por essas obras seria fácil demais e, até certo ponto, desnecessário. Vamos pegar algo realmente de peso em sua obra. Uma obra cuja qualidade não poderia nem deveria ser questionada… até agora. Vamos pegar o clássico dos clássicos de Miller…
O Cavaleiro das Trevas.
Com O Cavaleiro das Trevas Frank Miller consolidou a concepção de um Batman brutal e psicótico. Sim, você leu certo. Miller não inventou esse Batman, ele já estava lá, escrito por Denis O’Neil e desenhado por Neal Adams desde a década de 70 -lembrando que O’Neil foi o editor de Miller na obra, bem como Dick Giordano, fico pensando quanto aquilo tudo foi ideia deles ou de Miller… mas vamos crer naquilo que está escrito.
Mas por que Miller fixou-se na mente da maioria dos leitores tendo criado esse Batman? A resposta está na estratégia de marketing da DC. As histórias de O’Neil eram simplesmente comics ou, para tornar a expressão mais inteligível, gibis. Coisa de criança. Já O Cavaleiro das Trevas não, aquilo era uma graphic novel (novela ou narrativa gráfica, dependendo de quem faz a porca tradução), quadrinhos, a 9ª Arte e vendido como tal.
Embora no seu formato original a série tenha saído como limited series, apenas um ano depois foi reunida em uma única edição como uma graphic novel, ou seja, uma estratégia de mercado para vender quadrinhos para um público adulto, ou um modo de um adulto ler quadrinhos em algum lugar público e não receber olhares reprovadores por isso. Ou seja, o sucesso de O Cavaleiro das Trevas não pode ser dissociado dessa estratégia de marketing da DC em vender o Batman para um público “adulto”.
Em O Cavaleiro das Trevas, Miller executa sua ideia básica para 95%  de sua produção: pega todas as suas influências noir na ambientação, hard boiled na trama e cria um tough guy como personagem principal. Voilá! Você tem mais uma obra prima de Frank Miller! Alguém aí lembrou do filme do Spirit? Então…
Mas ok. Você comprou o peixe como lhe venderam. Gastou cerca de 100 reais na edição definitiva da Panini (última a ser pública por aqui e ainda vem com O Cavaleiro das Trevas 2, mas esse está abaixo da crítica). Tem nas mãos um verdadeiro clássico da 9ª Arte, uma graphic novel, um Batman para adultos escrita e desenhada por ninguém menos que Fank Miller. E agora?
Livro 1: O Retorno do Cavaleiro das Trevas
Bruce Wayne está velho. Na primeira sequencia de quadrinhos o vemos desafiar a morte em uma manobra suicida em uma corrida de carros. Gotham está mais violenta do que nunca e Batman o quer possuir novamente, mas ele resiste. Por quê? Porque se sente inseguro, tem medo de não estar à altura do Homem-Morcego.
Mas quando o filme Zorro traz de volta as lembranças da morte de seus pais o Batman volta. A cidade, que até então vinha sofrendo uma onda infernal de calor é acometida por uma tempestade. É o Batman voltando e limpando as ruas de Gotham.
Batman constata que já não é mais o mesmo. Seu corpo não responde… ele se lamenta por ter sido brando demais com alguns criminosos que agora o cercam. Então, quando toma o controle da situação novamente, ele aleija um criminoso. Batman afirma sua superioridade e recupera parte de sua confiança em si mesmo ao fazê-lo.
Paralelo a tudo isso, Harvey Dent é solto do Arkham, agora com a face regenerada e supostamente reabilitado. Mas, obviamente, volta a cometer crimes. A capacidade dos psiquiatras e psicólogos do Arkham é anulada. Não é possível nenhuma reabilitação. No embate final com Batman, o Duas-Caras pode morrer, mas Batman o salva. Não por uma preocupação ética ou moral em salvar vidas, mas porque Batman deseja saber se realmente era Harvey Dent ou não.
Ao interrogar um criminoso, este clama por seus direitos humanos, ao que Batman responde que se divertia contando-os para ficar mais furioso. Datena e afins aplaudiriam de pé o Morcego por essa.
Esse é o Batman de Frank Miller: inseguro, obsessivo, psicótico e com quase nenhuma restrição ética ou moral, que ele mesmo descreve como “um gênio obsessivo, hercúleo e razoavelmente maníaco”.
Livro 2: O Triunfo do Cavaleiro das Trevas
As ações do Batman começam a repercutir. Os índices de criminalidade diminuem e um debate sobre a legitimidade de seus atos se instala na imprensa. O dr. Wolper já teve sua capacidade invalidada ao liberar o Duas-Caras do Arkham. Quando ele analisa os atos do Morcego diz categoricamente: “o Batman é uma doença”.
Em um programa de TV o âncora se dirige a Lana Lang, uma das poucas defensoras do Batman na mídia: “Como pode apoiar uma conduta tão ilegal, que viola justiça e direitos humanos?” (notem que no original é “direitos civis”)  e a resposta “Nós vivemos à sombra do crime, Ted, com a silenciosa certeza de que somos as vítimas… do medo, da violência e da impotência social. Um homem se ergueu para nos mostrar que o poder está e sempre estará em nossas mãos. Nós nos encontramos cercados e sob ataque. Ele está mostrando que podemos resistir”. O mesmo poderia ser dito de Hitler durante a República de Weimar, e todos nós sabemos como tudo isso terminou.
Miller é hábil ao alternar entre os atos do Batman e a posição da imprensa. Ele a mostra sempre adulterando e deturpando os fatos que vemos, há sempre um contraste entre a realidade que ele nos faz presenciar e a interpretação equivocada da mídia e é por isso que as ações do Batman são sempre justificadas de alguma forma. A mídia declara que Batman é um fascista, um doente e um criminoso. Ficamos ao lado do vigilante e, desse modo, legitima-se esse mesmo comportamento que é, de fato, fascista, doente e criminoso no pior sentido da máxima “os fins justificam os meios”. Aliás essa é a tese de Miller: Batman é grande demais, está acima da compreensão de meros mortais. Suas ações estão acima do Bem e do Mal. De acordo com Miller:
“Eu não guardei meu veneno mais poderoso pro Coringa ou pro Duas-Caras, mas para as insípidas e apelativas figuras da mídia que cobriam de forma tão pobre os gigantescos conflitos daquela época. O que essas pessoas insignificantes fariam se gigantes andassem sobre a Terra? Que tratamento elas dariam a um herói poderoso, exigente e inclemente?”
E é esse mesmo herói inclemente que diz: “Foi difícil carregar 120 quilos de sociopata até o topo das Torres de Gotham… o ponto mais alto da cidade. Mas os gritos compensaram”. Batman não usa mais seus métodos apenas porque é necessário, ele passa a sentir prazer na tortura que inflige aos criminosos.
Mas o grande conflito está entre Batman e a chamada Gangue dos Mutantes. Sabemos poucos dessa gangue, mas duas de suas características são constantemente reiteradas: sua juventude e sua brutalidade. Num conflito quase mortal com o líder dos Mutantes tendo como telespectadores o restante da gangue Batman o vence, provocando a catarse para aquela juventude massificada e brutalizada. Em um passe de mágica, parte dos Mutantes se tornam Os Filhos do Batman. Ao invés de executar atos de violência contra os cidadãos de bem de Gotham começam a executar atos de violência contra criminosos. É assim que Miller vê a juventude: uma massa perdida à espera de seu Führer.
Convencidos? Satisfeitos? Eu também não. Não perca a parte 2 com os capítulos finais da obra, entenda a crítica de Frank Miller ao Occupy Wall Street e seu legado para o Homem-Morcego, talvez não nessa mesma bat-hora, mas definitivamente nesse mesmo bat-canal, ou melhor, bat-blog.

Nenhum comentário:

Postar um comentário